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COVID–19 e o regresso à normalidade: novos prazos para o planeamento urbanístico

SÉRVULO PUBLICATIONS 07 May 2020

O imobiliário, ordenamento do território e urbanismo têm vindo a confrontar-se com dois factos relevantes no ano de 2020.

O primeiro decorre da fixação do prazo do dia 13 de julho de 2020 para a atualização dos planos municipais, designadamente por via da revisão dos planos diretores municipais (PDM). Este prazo afeta também a execução dos atuais PDM, por via de outros planos municipais (v.g. planos de pormenor) ou de operações urbanísticas (v.g. loteamento). O decurso deste prazo implica a erradicação dos atuais “solos urbanizáveis”, que poderão ser reclassificados como solo rústico, na ausência de direitos edificatórios consolidados.

O segundo decorre da suspensão desde o dia 9 de março de 2020, no âmbito das medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia COVID-19, dos prazos de cujo decurso decorra o deferimento tácito pela administração (i) de autorizações e licenciamentos requeridos por particulares e (ii) de autorizações e licenciamentos, ainda que não requeridos por particulares, no âmbito da avaliação de impacte ambiental.

Entretanto, na passada sexta-feira foi publicado o Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, que altera as referidas medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia e procede à alteração de várias disposições do Decreto-Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, na sequência da cessação do estado de emergência e entrada em vigor do estado de calamidade por efeito da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril. O diploma altera de forma relevante o contexto acima referido em matéria de ordenamento do território e urbanismo, quer no que toca ao prazo de 13 de julho, quer no que toca à suspensão de prazos ocorrida em 9 de março.

1. O prazo de 13 de julho de 2020

Em matéria de ordenamento do território e urbanismo é agora introduzido o artigo 35.º-D sobre suspensão de prazos relativos a planos municipais. De acordo com o n.º 1 da disposição em causa, ficam suspensos pelo prazo de 180 dias contados da cessação do estado de emergência – ou seja, desde o dia 3 de maio -, os seguintes prazos:

a) O prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, que estabelece as bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo na sua redação atual (“Lei de Bases dos Solos”), para transposição do conteúdo dos planos especiais de ordenamento do território para os planos diretores intermunicipais ou municipais e outros planos intermunicipais ou municipais aplicáveis à área abrangida pelos planos especiais (a norma em causa fixa como data limite o dia 13 de julho de 2020);

b) O prazo de 5 anos previsto no n.º 2 do artigo 199.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio (“RJIGT”) para inclusão nos planos municipais ou intermunicipais das regras de classificação e qualificação do solo previstas no mesmo diploma (o prazo é de 5 anos contados da entrada em vigor do diploma terminando no dia 13 de julho de 2020).

Os anteriores diplomas relativos ao estado de emergência não tinham incluído qualquer medida relativamente aos prazos em curso para a atualização (ou, na prática, para a execução) dos planos municipais (nem tal suspensão decorria das regras aprovadas para os procedimentos administrativos em geral), sendo que, conforme oportunamente alertámos, seria expectável que, ao atraso já existente antes da declaração do estado de emergência, se somasse o atraso resultante das dificuldades de gestão destes complexos procedimentos administrativos inerentes às medidas de confinamento e teletrabalho que abrangeram também a administração pública.

Antecipávamos que estas fossem medidas necessárias em face do quadro de pandemia e não podia deixar de ser de outro modo, tendo em conta que há um número considerável de autarquias a esta data atrasadas na elaboração e revisão dos planos. Por outro lado, há um número igualmente considerável de operações urbanísticas que visam executar os planos cujo controlo prévio se tem revelado moroso.

De uma perspetiva de planeamento, o não cumprimento do prazo previsto na lei determinaria a suspensão das normas do plano territorial que deveriam ter sido alteradas, ainda com a consequência de, na área abrangida e enquanto durasse a suspensão, não poder haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que implicassem a ocupação, uso e transformação do solo.

De uma perspetiva de execução do planeamento, o termo do prazo de 13 de julho implicaria a reclassificação para solo rústico de vários prédios destinados a operações urbanísticas cujo controlo prévio se encontraria já em fase muito avançada, podendo despoletar potenciais pretensões indemnizatórias por parte dos particulares.

Assim, no que concerne ao prazo de 5 anos previsto no n.º 2 do artigo 199.º do RJIGT para a inclusão nos planos das novas regras de classificação e qualificação do solo, por efeito da suspensão agora decretada – faltando 72 dias para o termo do prazo e reiniciando-se a sua contagem no dia 4 de novembro de 2020 (termo dos 180 dias de suspensão) -, tal prazo é “prorrogado” até ao dia 14 de janeiro de 2021.

No que respeita ao prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, na sua redação atual, a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 35.º-D não nos parece isenta de dúvidas por não se se tratar verdadeiramente de uma “suspensão” atendendo a que o “prazo suspendendo” se encontra fixado em data certa - o dia 13 de julho de 2020.

A interpretação e aplicação da norma suspensiva a este prazo implica uma espécie de interpretação corretiva da norma que estabelece o “prazo suspendendo”. Com efeito, de forma a conferir-se um sentido útil a esta “suspensão “, terá nesta sede que atender-se ao facto de a norma do n.º 1 do artigo 78.º na sua versão inicial fazer referência a um prazo de três anos, tendo posteriormente tal prazo sido alterado pela Lei n.º 74/2017, de 16 de agosto, de forma a harmonizá-lo e fazê-lo coincidir com o prazo do RJIGT acima mencionado. Ou seja, o legislador terá pretendido conceder um prazo adicional ao prazo inicial de três anos de forma a que que todas as alterações e adaptações exigidas aos planos fossem concluídas no mesmo período de tempo.

O resultado prático do diploma ora publicado quanto a este prazo parece ser, assim, semelhante ao resultante para prazo de 5 anos previsto no n.º 2 do artigo 199.º do RJIGT, ou seja, a sua “prorrogação” para o mesmo dia 14 de janeiro de 2021.

Resta saber se esta “prorrogação” dos prazos inicialmente previstos, por um período de mais de meio ano será suficiente para a conclusão de todos os procedimentos de planeamento e de execução de planeamento em curso, atendendo a que, por exemplo, acaba por abranger o período do Verão e do Natal.

No que toca ao planeamento, afigura-se difícil (embora não impossível) que os planos municipais que ainda não hajam sido objeto de parecer final da comissão consultiva (no caso do PDM) ou de pareceres favoráveis das entidades com assento na conferência procedimental (no caso dos planos de urbanização ou de pormenor) ou que não hajam concluído a concertação com as entidades antes do Verão possam ser concluídos até 14 de janeiro de 2021. Note-se que, a suspensão dos prazos para a prática de atos por particulares em procedimentos administrativos no âmbito das medidas do COVID-19 poderá afetar também o cumprimento deste novo prazo de 14 de janeiro, na medida em que, a manter-se (o que é incerto), implicará, na prática, a suspensão da discussão pública sucessiva dos planos.

Já no que toca à execução dos planos através de operações urbanísticas, a “prorrogação” poderá permitir a salvaguarda de inúmeras situações de expetativas legítimas dos particulares através de licenciamentos e aprovações, na pendência da suspensão do prazo, de inúmeras pretensões urbanísticas com base nas disposições dos planos atualmente em vigor.

Congratulamo-nos, por isso, com esta medida que, para além de permitir um mais rigoroso, sereno e refletido trabalho de planeamento protege, simultaneamente, os particulares e investidores de eventuais perdas de direitos urbanísticos.

Por último, uma breve referência à questão de inconstitucionalidade formal que poderá suscitar a “suspensão” do prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, tendo em conta a reserva relativa de lei parlamentar estabelecida na alínea z) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição no que concerne às “Bases do ordenamento do território e do urbanismo”, sem prejuízo naturalmente da possibilidade de ratificação pela Assembleia da República tal como, aliás, sucedeu com o próprio Decreto-Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março.

2. A suspensão de prazos operada no dia 9 de março

O Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, veio ainda revogar os n.ºs 1 e 2 do artigo do 17.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que suspendiam os prazos de cujo decurso decorresse o deferimento tácito pela administração (i) de autorizações e licenciamentos requeridos por particulares e (ii) de autorizações e licenciamentos, ainda que não requeridos por particulares, no âmbito da avaliação de impacte ambiental.

Desta forma, os prazos abrangidos por aquela suspensão retomaram, no dia 2 de maio de 2020, a sua contagem e os respetivos procedimentos seguem agora a sua normal tramitação.

Eduardo Gonçalves Rodrigues | egr@servulo.com

Filipa Névoa | fne@servulo.com