COVID-19: Regime excecional no direito processual civil
SÉRVULO PUBLICATIONS 04 May 2020
Foi publicada a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que procede à primeira alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que prevê medidas excecionais e temporárias de resposta à situação da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
A Lei n.º 4-A/2020 introduziu alterações significativas ao artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, referente a prazos e diligências. As alterações mais relevantes são relativas a: (i) processos não urgentes; (ii); processos urgentes (iii); ações executivas; (iv) dever de apresentação à insolvência.
No que diz respeito aos processos não urgentes, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020 estabelecia a sujeição destes processos ao regime das férias judiciais, com a consequente suspensão dos prazos processuais. Na Lei n.º 4-A/2020, foi eliminada do artigo 7.º, n.º 1 a referência à aplicação do regime das férias judiciais, tendo-se determinado de forma expressa a suspensão dos prazos processuais até à cessação da situação excecional provocada pela COVID-19.
No entanto, no número 5 do artigo 7.º previu-se que a referida suspensão dos prazos não obsta à tramitação dos processos e à prática de atos processuais presenciais e não presenciais através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados (designadamente, teleconferência, videochamada ou outros), contanto que todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática por essas vias.
Quanto aos processos urgentes, a Lei n.º 1-A/2020 havia determinado a suspensão dos prazos, ainda que com algumas exceções. Com uma opção legislativa marcadamente diversa da que havia sido adotada inicialmente, o legislador estabeleceu agora, no número 7 do artigo 7.º, que os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências. Trata-se de uma alteração muito significativa, uma vez que esta medida levanta a suspensão dos prazos, entre outros, dos processos de insolvência, dos processos especiais de revitalização (PER) e dos procedimentos cautelares.
No que diz respeito à realização de atos presenciais em processos urgentes (tais como, por exemplo, audiências de julgamento), o número 7, alínea a), prevê agora que os referidos atos devem ser praticados através de meios de comunicação à distância adequados (designadamente, teleconferência, videochamada ou outro equivalente). Ao contrário do estabelecido a propósito dos processos não urgentes, o legislador não fez depender a prática de atos presenciais através de meios de comunicação à distância do entendimento das partes quanto à existência de condições para tal efeito. Os atos apenas não serão praticados através dos referidos meios quando a realização da diligência nestes termos não seja possível.
Em caso de impossibilidade e/ou inadequação, os prazos dos processos urgentes serão suspensos, salvo quando esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes. Nestes casos, a diligência pode ser realizada presencialmente desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde. Se não for possível nem adequada a realização da diligência com respeito pelas recomendações das autoridades de saúde, os prazos do processo em questão serão igualmente suspensos.
O regime anterior relativo às ações executivas e ao dever de apresentação à insolvência foi igualmente alterado, com o propósito de, a exemplo do que se tem verificado noutras jurisdições, atender às enormes dificuldades financeiras que têm afetado e continuarão a afetar uma parte significativa das empresas e dos cidadãos.
Assim, relativamente às ações executivas, o artigo 7.º, n.º 6, alínea b), prevê agora que ficam suspensos quaisquer atos a praticar no processo executivo, nomeadamente os refentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios. Estão apenas excecionados da suspensão os atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
Concomitantemente, o legislador determinou, na alínea a) do número 6 do artigo 7.º, a suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Deste modo, não recai sobre as entidades que estejam insolventes o dever de se apresentarem à insolvência, nos termos do referido preceito legal. Embora não estejam obrigadas a fazê-lo, note-se que as entidades que estejam insolventes podem, caso assim o entendam, apresentar-se à insolvência. É importante salientar ainda que a suspensão do dever de apresentação à insolvência não é aplicável às entidades que, no dia 9 de março, já estivessem insolventes há mais de 30 dias.
Conforme decorre do artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020, as alterações acima referidas produzem efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 7 de abril, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020.
Por fim, chama-se à atenção para a publicação, no passado dia 18 de abril de 2020, da Lei n.º 10/2020, que estabeleceu um regime excecional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, com entrada em vigor no dia 19 de abril de 2020. Este regime está intimamente ligado à tramitação dos processos não urgentes e urgentes que, como se se viu, consoante os casos, pode ou deve mesmo continuar.
Assim, resulta do artigo 2.º, n.º 1, desta Lei a suspensão da recolha da assinatura na entrega de correio registado até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, sendo a assinatura substituída, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada. O n.º 5 esclarece que os efeitos da recolha do número de cartão de cidadão ou outro meio legal de identificação equivalem aos da assinatura do aviso de receção, estabelecendo que as citações e notificações realizadas através de remessa de carta registada com aviso de receção consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação.
Por outro lado, em caso de recusa de apresentação e fornecimento destes dados, o n.º 3 determina que o distribuidor do serviço postal deve lavrar nota do incidente na carta ou aviso de receção e devolvê-lo à entidade remetente, também em consonância com o regime já previsto no Código de Processo Civil para os casos de recusa de assinatura do aviso de receção pelo citando (cfr. artigos 228.º, n.º 6 e 246.º, n.º 3 do referido Código).
O legislador acrescenta no n.º 4 desta Lei que, nestes casos de recusa, qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como citação ou notificação, consoante os casos.
Por fim, o n.º 6 estende a aplicação deste regime, com as necessárias adaptações às citações e notificações realizadas por contacto pessoal, nas quais se incluem, a nosso ver, as notificações judiciais avulsas.
Madalena Robalo Cordeiro | mcc@servulo.com
Nuno Temudo Vieira | ntv@servulo.com