COVID-19: Medidas de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social, bem como do regime especial de garantias pessoais do Estado
SÉRVULO PUBLICATIONS 30 Mar 2020
O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que veio estabelecer medidas excecionais e temporárias, de proteção de créditos dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
As referidas medidas de apoio à liquidez e tesouraria foram elaboradas com o objetivo de permitirem um diferimento do cumprimento das obrigações dos beneficiários perante o sistema financeiro português, e entram em vigor no dia 27 de março e vigoram até 30 de setembro de 2020.
I - Medidas de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social
1.1 Quem são as entidades beneficiárias?
Antes de mais, importa indicar as entidades beneficiárias (“entidades beneficiárias”) às quais se destinam as medidas em análise que são:
- as Empresas que:
(i) sejam classificadas como microempresas, pequenas ou médias empresas de acordo com as Recomendações comunitárias e outras que independentemente da sua dimensão e que, à data de publicação do regime, preencham as condições os requisitos abaixo descritos;
(ii) tenham sede e exerçam a sua atividade económica em Portugal;
(iii) não estejam, a 18 de março de 2020, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de 90 dias junto das instituições ou estando em situação de mora, não cumpram critério de materialidade, previstos nas normas nacionais e comunitárias, e que não se encontrem numa situação de insolvência ou suspensão ou cessão de pagamentos, ou naquela data estejam já em execução por qualquer uma das instituições;
(iv) tenham situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“ATA”) e da Segurança Social (“SS”).
- as Pessoas Singulares que:
(i) relativamente ao crédito para habitação própria permanente:
- que preencham as condições acima referidas em (iii) e (iv);
(ii) tenham residência em Portugal e estejam em situação de isolamento profilático ou de doença ou prestem assistência a filhos ou netos;
(iii) ou que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial, em situação de desemprego registado;
(iv) trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente;
(v) e os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência.
- os Empresários em nome individual;
- as Instituições particulares de solidariedade social;
- as Associações sem fins lucrativos.
1.2 Quais as operações de crédito abrangidas ?
São abrangidas todas as operações de crédito concedidas por instituições de crédito, sociedades financeiras de crédito, sociedades de investimento, sociedades de locação financeira, sociedades de factoring e sociedades de garantia mútua, bem como por sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras a operar em Portugal (“Instituições”), com a exclusão das seguintes:
(i) crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou aquisição de posições noutros instrumentos (quer sejam garantidos ou não por esses instrumentos);
(ii) crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais, para fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para atividade de investimento, mas com exceção cidadãos abrangidos pelo Programa Regressar;
(iii) crédito concedido a empresas, para utilização individual através de cartões de crédito dos membros dos órgãos administração, de fiscalização, trabalhadores e demais colaboradores.
1.3 Moratória
As entidades beneficiárias podem beneficiar das seguintes moratórias:
a) Proibição de revogação (total ou parcial) de linhas de crédito contratadas e empréstimos concedidos, nos montantes contratados à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, durante o período em que vigorar a presente medida;
b) Prorrogação, por um período igual ao prazo de vigência da presente medida, de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato, vigentes a 27 de março de 2020, juntamente, nos mesmos termos, com todos os seus elementos associados, incluindo juros, garantias, designadamente prestadas através de seguro ou em títulos de crédito;
c) Suspensão, relativamente a créditos com reembolso parcelar de capital ou com vencimento parcelar de outras prestações pecuniárias, durante o período em que vigorar a presente medida, do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até ao término desse período, sendo o plano contratual de pagamento das parcelas de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos estendido automaticamente por um período idêntico ao da suspensão, de forma a garantir que não haja outros encargos para além dos que possam decorrer da variabilidade da taxa.
No entanto, sublinhamos que a extensão do prazo de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos acima referidos nas alíneas b) e c), não dão origem:
(i) a incumprimento contratual;
(ii) as ativações de cláusulas contratualmente previstas que permitam o vencimento antecipado;
(iii) à suspensão do vencimento dos juros devidos durante o período da prorrogação, que serão capitalizados no valor do empréstimo com referência ao momento em que são devidos à taxa do contrato em vigor; e
(iv) à ineficácia ou cessação das garantias concedidas pelas entidades beneficiárias das medidas ou por terceiros, designadamente a eficácia e vigência dos seguros, das fianças e/ou dos avales.
Ressalve-se, no entanto que as exposições abrangidas pelas moratórias já descritas, são comunicadas à Central de Responsabilidades de Crédito (“CRC”) do Banco de Portugal (“BdP”).
1.4 Como aceder à moratória ?
Para acederem às medidas descritas anteriormente, as entidades beneficiárias devem remeter, por carta ou e-mail, à instituição mutuante uma declaração de adesão à aplicação da moratória que deverá ser acompanhada por documentação comprovativa a atestar a regularidade da situação tributária e contributiva.
No caso das pessoas singulares e dos empresários em nome individual, a referida declaração deverá ser remetida pelo mutuário, no caso das empresas e das instituições particulares de solidariedade social, bem como outras associações sem fins lucrativos, assinada pelos seus representantes legais.
As Instituições dispõem de um prazo máximo de 5 dias úteis, a contar da receção dos documentos acima referidos (declaração de adesão e documentos a atestar situação contributiva regular), para aplicar as medidas de proteção, salvo se a requerente não for uma entidade elegível.
No caso em que se verifique que a entidade beneficiária não preenche as condições descritas, as Instituições ficam obrigadas a comunicar esse facto, no prazo máximo de 3 dias úteis, através do meio utilizado pela entidade beneficiária.
II - Regime especial de garantias pessoais pelo Estado
2.1 Garantias pessoais concedidas pelo Estado
Em virtude da crise económica causada pela pandemia do COVID – 19, podem ser prestadas garantias pessoais pelo Estado e por outras pessoas coletivas de direito público, dentro dos limites máximos previstos para a concessão desse tipo de garantias previstos na Lei do Orçamento de Estado (“LOE”).
Cabe ao membro do Governo responsável pela área das finanças, a autorização da concessão das garantias já referidas, designadamente para a garantia de operações de crédito ou de outras operações financeiras, sob qualquer forma, assegurar liquidez ou qualquer outra finalidade, a empresas, a instituições particulares de solidariedade social, a associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social ou a quaisquer outras entidades com sede na União Europeia (“UE”).
2.2 Qual o procedimento de concessão de garantias ?
O pedido de concessão de garantia deve ser dirigido através da Direção - Geral do Tesouro e Finanças (“DGTF”), ao membro do Governo responsável pela área das Finanças, acompanhado dos elementos essenciais da operação a garantir, designadamente :
(i) o montante;
(ii) o prazo; e
(iii) e outros elementos adicionais pedidos, com vista aferir o risco da operação e da indicação das condições que a garantia que vai ser concedida.
Para a concessão da garantia é necessário um parecer favorável do membro do Governo da área do setor de atividade da entidade beneficiária da garantia, o qual que deverá atender:
(i) ao enquadramento da operação no âmbito da política do Governo à COVID-19;
(ii) à apreciação da relevância da entidade beneficiária para a economia nacional e;
(iii) à perspetiva de viabilidade económica da entidade que requereu a garantia e da necessidade expressa de garantia pessoal do Estado.
Por último, chama-se à atenção que, havendo factos que impossibilitem o cumprimento pontual das obrigações garantidas, os mesmos devem ser comunicados pelas entidades beneficiárias à DGTF, com os elementos necessários ao acompanhamento das operações objeto da garantia, logo que deles se tenha conhecimento.
III – Regime especial de concessão de garantias mútuas
As sociedades de garantia mútua podem conceder garantias a beneficiários ou outras pessoas jurídicas, singulares ou coletivas, que não reúnam a qualidade de acionista, porquanto essa emissão de garantias seja especificamente autorizada pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia e das finanças, e desde que sejam identificados os produtos financeiros objeto dessas garantias. Neste caso, mostra-se aplicável o Decreto-Lei n.º 211/98, de 16 de julho, na sua redação atual, e os procedimentos neste diploma previstos, com as devidas adaptações e atento o contexto e finalidade das garantias.
Todas as garantias prestadas neste regime especial de concessão de garantia mútua integram, para todos os efeitos, o Fundo de Contragarantia Mútuo.
Luísa Cabral de Menezes | lcm@servulo.com