A profunda reforma do Arrendamento Urbano II – Alterações ao Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados
SÉRVULO PUBLICATIONS 22 Feb 2019
O Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (“RJOPA”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157 /2006, de 08 de agosto, sofreu em 2012, através da Lei n.º 30/2012, de 14 de agosto, uma das suas alterações mais relevantes, complementada posteriormente pelas Leis nº 79/2014, de 19 de dezembro e pela Lei nº 43/2017, de 14 de junho.
Como é hoje reconhecido, essa alteração, conjugada com as demais modificações na legislação arrendatícia, deu um importante impulso à reabilitação do património imobiliário nas grandes cidades, a qual prossegue até hoje. Porém, originou também situações de utilização abusiva dos mecanismos legais previstos e, em consequência, desequilíbrios na relação jurídica de arrendamento que, tendo possibilitado referida reabilitação, geraram, também, um tratamento indiferente de situações bastante dispares.
Com esse fundamento — e num quadro de crescente preocupação com a pressão imobiliária nas grandes cidades—, a Assembleia da República decidiu intervir, através da emanação da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, a qual altera, de forma profunda, o RJOPA. De entre as alterações mais relevantes, destacamos as seguintes:
1) Em primeiro lugar, um dos critérios para que uma obra de ampliação ou alteração seja considerada de remodelação ou restauro profundo — o custo— passa a ser calculado com base na sua localização e área bruta de construção, tendo em conta o valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares por concelho, divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística, trimestralmente. Substitui-se assim, numa evidente postura de tentativa de contenção da especulação, o anterior critério, o valor patrimonial tributário do locado, na maioria dos casos, bastante abaixo do valor de mercado. Nesta sequência, o custo da obra deve ser, pelo menos 25%, do valor aplicável ao locado (incluindo IVA), em função do novo critério.
2) Em segundo lugar, passa agora a prescrever-se que, nas situações em que exista denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, o arrendatário do imóvel pode optar entre o pagamento de uma indemnização no valor mínimo correspondente a dois anos de renda, não inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado e o realojamento por período não inferior a 3 anos em local e condições análogos aos que já tinha. Caso as partes não cheguem a acordo no prazo de 60 (sessenta) dias, o arrendatário deverá ser realojado. Assim, do regime de exceção previsto apenas para arrendatários com mais de 65 anos ou incapacidade superior a 60%, passa a regime regra o do realojamento obrigatório, salvo se o próprio arrendatário não aceitar o realojamento proposto. No caso dos arrendamentos não habitacionais, introduz-se em nosso entender uma desnecessária confusão, com a indicação “no caso de o realojamento não ser possível”, dado que não se estabelece qual o critério dessa impossibilidade (falta de alternativas, ou valor da renda). Sendo o caso, a impossibilidade seria tão verdadeira para os arrendamentos não habitacionais como para os habitacionais, em face da falta de alternativas e do atual valor de rendas praticado no mercado.
3) Para os arrendatários com mais de 65 anos ou incapacidade superior a 60%, determina-se que o novo contrato resultante do realojamento em resultado da denúncia do contrato anterior seja igualmente de duração indeterminada, devendo a renda a pagar ser a resultante da aplicação do artigo 35º do NRAU (incluindo os limites resultantes do Rendimento Anual Bruto Corrigido), de onde parece resultar uma disparidade com o regime geral, que impõe condições análogas (designadamente em termos de renda, ainda que só aplicáveis por 3 anos).
4) O regime da compensação/realojamento também é aplicável no caso das demolições obrigatórias de edifícios arrendados, com a especificidade de os senhorios poderem obter o ressarcimento das entidades responsáveis pela execução dos planos de ordenamento do território, caso a ordem de demolição resulte da execução de um desses planos.
5) Em quinto lugar, a suspensão da execução do contrato passa a ser figura matriz do RJOPA, em caso de obras de remodelação ou restauro profundo. Neste sentido, as situações em que o contrato pode ser denunciado por força de obras de remodelação ou restauro profundo são agora restringidas:
a) A suspensão da execução deve ocorrer em todas as situações em que o locado deva ser objeto de obras de remodelação ou restauro;
b) Só nas situações em que essas obras de remodelação ou restauro profundo deem origem a um local que não tenha características equivalentes às do locado primitivo é que se admite a denúncia, nos termos atualmente vigentes.
c) Sendo a suspensão da execução do contrato aplicável em geral, o senhorio fica obrigado a assegurar o realojamento temporário do arrendatário, o qual deve fazer-se no mesmo concelho, em fogo com superior ou igual estado de conservação e adequado às necessidades do agregado familiar, e aparentemente, apenas com a obrigação de pagamento da renda (deixando ao acaso o cumprimento das demais obrigações do arrendatário e do senhorio, já que o contrato se encontra suspenso).
d) Em termos de formalidades, a suspensão do contrato deve ser comunicada ao arrendatário, indicando:
i) A intenção de proceder a obras que obrigam à desocupação do locado por colocarem em causa as condições de habitabilidade;
ii) O local e das condições do realojamento fornecido;
iii) A data de início e duração previsível das obras.
e) O arrendatário pode optar pela denúncia do contrato na sequência da referida comunicação de suspensão, devendo, para o efeito, comunicar esse facto ao senhorio no prazo de 30 dias após a receção daquela.
6) Por fim, é criado um novo regime de execução de obras pelo arrendatário, aplicável às obras (i) que tenham sido objeto de intimação por parte da câmara municipal, necessárias para a correção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético; (ii) e reparações urgentes, quando haja mora do senhorio na sua realização, incluindo em partes comuns nos prédios em propriedade horizontal. Relativamente a este regime é possível destacar o seguinte:
a) Prevê-se que o arrendatário possa realizar extrajudicialmente as obras a cargo do senhorio (no caso das obras objeto de intimação, só na hipótese em que o senhorio não as tenha iniciado ou concluído no prazo previsto);
b) A realização de tais obras confere ao arrendatário o direito a uma compensação correspondente: (i) às despesas das obras efetuadas e orçamentadas e respetivos juros, acrescidas de 5 /prct. destinados a despesas de administração, (ii) aos custos suportados com o realojamento temporário dos arrendatários.
c)O valor da compensação pode ser pago das seguintes formas:
i) Diretamente pelo senhorio, em prazo não inferior a 60 dias;
ii) Por dedução edução no valor das rendas mensais vincendas a partir da data da comunicação de execução das obras.
Caso o contrato cesse antes do ressarcimento do valor total das obras, o arrendatário mantém o crédito do referido valor e o direito a recebê-lo.
d) Quanto às formalidades para a realização de obras pelo arrendatário.
i) A intenção de realização das obras deve ser comunicada com antecedência mínima de 15 dias em relação à data prevista para início da execução (i) expondo os fatos que lhe conferem o direito de as efetuar, (ii) juntando o respetivo orçamento, mapa de quantidades, data prevista para o início e conclusão das obras e indicação da necessidade de realojamento temporário de arrendatários que se mostre indispensável para o efeito.
ii) A conclusão das obras deve ser comunicada ao senhorio no prazo máximo de 30 dias, junto com a apresentação dos comprovativos das despesas realizadas e indicando (i) o valor da compensação devida, (ii) o valor já deduzido por conta da compensação, (iii) A modalidade de pagamento da compensação em dívida e as respetivas condições de pagamento.
Pese embora alguma clarificação de aspetos sujeitos a interpretação dúbia no anterior RJOPA, entendemos que o regime agora aprovado trará um conjunto de dificuldades adicionais aos proprietários que pretendem realizar obras nos seus imóveis, colocando assim risco a continuação da reabilitação do património imobiliário. O que terá certamente reflexos nos arrendatários, que poderão ver as suas condições de vida agravadas em função da ausência de obras nos imóveis onde residem, muitas vezes há largos anos. Temos algumas dúvidas que, na maior parte das situações, o arrendatário reúna condições efetivas para se substituir ao senhorio na realização de obras estruturalmente necessárias para reabilitar o prédio ou esteja disposto a realizar obras no seu locado quando o prédio necessita todo ele de um restauro profundo. Os próximos meses trarão certamente novidades quer quanto ao efeito prático destas alterações quer quanto ao respetivo impacto no mercado do arrendamento e da reabilitação urbana.
Carla Parreira Leandro
Ricardo Neves